Chico Buarque e Caetano Veloso escreveram textos inéditos nos 90 anos de Elza Soares

Um lhe deu guarida em Roma, em 1970, depois de a casa em que vivia no Rio com Mané Garrincha ter sido metralhada. O outro estendeu a mão no momento mais desesperador da sua vida, nos anos 1980, quando Elza Soares pensou mesmo em abandonar a carreira de cantora. Estes foram Chico Buarque de Hollanda (https://versoseprosas.com.br/chico-buarque-perfil/486/) e Caetano Veloso (https://versoseprosas.com.br/caetano-veloso-perfil/569/), respectivamente, que tiveram uma relação muito mais do que profissional com Elza Soares, que faleceu na última quinta-feira, 20 de janeiro de 2022 (https://versoseprosas.com.br/morre-elza-soares-no-rio-aos-91-anos/2297/). Esta relação, bastante estreita, vai muito além das canções.

E em 23 de janeiro de 2021, ela recebeu homenagem dos dois em textos publicados no Jornal O GLOBO, em razão de seus 90 anos. O jornal antecipou o que seria impresso na revista da União Brasileira dos Compositores (UBC) em fevereiro do ano passado.

Confira, na sequência, os textos de Chico Buarque e Caetano Veloso, na íntegra, sobre a vida e a obra de Elza Soares:

Nunca houve ou haverá uma mulher como ela, por Chico Buarque

Se acaso você chegasse a um bairro residencial de Roma e desse com uma pelada de meninos brasileiros no meio da rua, não teria dúvida: ali morava Elza Soares com Garrincha, mais uma penca de filhos e afilhados trazidos do Rio em 1969. Aplaudida de pé no Teatro Sistina, dias mais tarde Elza alugou um apartamento na cidade e foi ficando, ficando e ficando.

Se acaso você chegasse ao Teatro Record em 1968 e fosse apresentado a Elza Soares, ficaria mudo. E ficaria besta quando ela soltasse uma gargalhada e cantasse assim: “Elza desatinou, viu”.

Se acaso você chegasse a Londres em 1999 e visse Elza Soares entrar no Royal Albert Hall em cadeira de rodas, não acreditaria que ela pudesse subir ao palco. Subiu e sambou “de maillot apertadíssimo e semi-transparente”, nas palavras de um jornalista português.

Se acaso você chegasse ao Canecão em 2002 e visse Elza Soares cantar que a carne mais barata do mercado é a carne negra, ficaria arrepiado. Tanto quanto anos antes, ao ouvi-la em “Língua’’ com Caetano.

Se acaso você chegasse a uma estação de metrô em Paris e ouvisse alguém às suas costas cantar Elza desatinou, pensaria que estava sonhando. Mas era Elza Soares nos anos 80, apresentando seu jovem manager e os novos olhos cor de esmeralda.

Se acaso você chegasse a 1959 e ouvisse no rádio aquela voz cantando “Se acaso você chegasse’’, saberia que nunca houve nem haverá no mundo uma mulher como Elza Soares.

Seu brilho é a prova de que o Brasil não é mole não, por Caetano Veloso

Elza Soares é uma das maiores maravilhas que o Brasil já produziu. Quando apareceu cantando no rádio, era um espanto de musicalidade. Logo ficaríamos sabendo que ela vinha de uma favela e desenvolvera seu estilo rico desde o âmago da pobreza.

Ela cresceu, brilhou, quis sumir, não deixei, ela voltou, seguiu e prova sempre, desde a gravação de “Se acaso você chegasse’’ até os discos produzidos em São Paulo por jovens atentos, que o Brasil não é mole não.

Celebrar os 90 anos e Elza é celebrar a energia luminosa que os tronchos monstros não conseguirão apagar da essência do Brasil.

Marcos Aurélio

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