O Micróbio do Samba, Adriana Calcanhotto e suas impressões após 10 anos

O Micróbio do Samba e as impressões de Adriana Calcanhotto dez anos depois

Acostumada a interpretar canções mais românticas e lentas, Adriana da Cunha Calcanhotto (Porto Alegre, 3 de outubro de 1965) se “reinventou” no álbum “O Micróbio do Samba”, que completa dez anos neste ano de 2021. Artista de sucessos consagrados como “Devolva-me”, “Mentiras”, “Esquadros” e “Vambora”, a cantora gaúcha falou, em entrevista ao Versos e Prosas, sobre uma década deste trabalho, bem como de suas impressões dez anos depois. E então, o que será que mudou?

Durante nossa conversa, Adriana Calcanhotto sempre fez questão de ressaltar nomes de grandes personalidades, não só da música, mas da cultura brasileira de forma geral. Dentre os agraciados por ela, estão seu conterrâneo, o também cantor Lupicínio Rodrigues, passando por Milton Nascimento, Caetano Veloso e Cartola. Além disso, o grande poeta e escritor Mário Quintana também foi citado por Calcanhotto.

“O Micróbio do Samba”: afinal, o que significa?

O Micróbio do Samba Adriana Calcanhotto
Foto: Divulgação

Para começar, o que seria então este tal “O Micróbio do Samba”? Nome, digamos, um pouco diferente, não? A própria cantora e compositora Adriana Calcanhotto nos explica o porquê da escolha do nome. Segundo ela, houve uma forte influência de um também cantor conterrâneo, de Porto Alegre: Lupicínio Rodrigues (Porto Alegre, 16 de setembro de 1914 — Porto Alegre, 27 de agosto de 1974).
“A escolha do nome ‘O Micróbio do Samba’ veio porque, justamente, onde eu começo a investigar a influência do Lupicínio Rodrigues na minha obra, na minha vida já conhecia, por Porto Alegre, por ouvi-lo, Desde a infância e tal. Mas a coisa do samba nesse disco, no ‘Micróbio’, nele, eu me aproximo mais da influência, das coisas dele.

E aí, lendo um livro muito importante sobre ele, escrito pela Rosa Dias, ela fala isso, que ele usa a expressão que ele nasceu com o micróbio do samba. E eu achei tão bonitinho e como diz o que tem a ver com ele, a expressão é muito boa, eu me identifico com isso. Ter ‘O Micróbio do Samba’ não te transforma num sambista, mas também não te transforma num doente do pé qualquer, entendeu? Eu acho que é lindo esse nome, ‘O Micróbio do Samba’”, explica, empolgada, Calcanhotto.

A força de Adriana Calcanhotto, a força da mulher

Ao comentar sobre uma das 12 músicas do álbum “O Micróbio do Samba”, “Mais Perfumado”, composta pela própria cantora, que fala sobre um homem que pensa estar enganando sua companheira, a artista manda um recado claro e direto a quem, mesmo dez anos depois, acha que consegue enganar sua fiel parceira.

“Acho que as mulheres tão mais conscientes, mais engajadas, mais unidas, né? A sororidade acontece, mas tudo, tudo isso é mais do que há dez anos atrás. Agora, a letra de mais perfumado, esse samba, quando o micróbio saiu, muita gente falou: ‘Nossa, que coisa moderna, né? A mulher que está sacando tudo que o homem tá fazendo e ele acha que tá enganando, mas ela não se engana em tudo’.

Só que eu não acho isso, eu acho isso a coisa mais antiga que tem, é uma forma feminina de lidar, né? Com os homens, com certas coisas que os homens precisam tomar conta da ideia, tá na frente e é uma certa sabedoria das mulheres. Então, ele acha que ele tá enganando, ele acha que ele tá traindo e ninguém tá vendo, mas não. E eu não acho isso moderno não, eu acho isso antigo, ancestral”, desabafa Adriana Calcanhotto.

“O Micróbio do Samba” e a liberdade feminina

Adriana Calcanhotto
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Já ao falar da música “Beijo Sem” (Adriana Calcanhotto), outra faixa de “O Micróbio do Samba”, a cantora gaúcha diz sua opinião, sincera e sem medo, sobre o que pensa da liberdade feminina, após uma década do lançamento da música.

“Vejo mais liberdade do que há dez anos, mas o que eu acho que é mais importante ainda nesse momento, eu vejo luta e vejo as mulheres se unindo e vejo a gente juntando forças em nome de nós, em nome dos homens, das crianças, e lutando contra a ignorância, o racismo e isso eu acho mais importante. E, nós teremos ainda mais liberdade do que agora, mas eu devo dizer, acho que estamos melhores do que dez anos atrás”, acredita a artista.

Influências do tal “Micróbio do Samba” na veia de Adriana Calcanhotto

Ao retomar sua ligação com o samba, Adriana Calcanhotto fez questão de ressaltar que não se importava de ser conhecida como “a cantora de músicas românticas”, mas quis mostrar, também, que poderia (e pode) sim dar vida a um outro tipo de interpretação, com o qual o grande público não estava acostumado.

“Eram coisas ali por Toquinho e Vinícius. Era meio nesse momento. São coisas assim, quando eu comecei a tocar um pouco mais de samba, no violão, O álbum ‘Micróbio’, o álbum era um show, na verdade, eles (o público), falava não sobre o samba em si, mas sobre o samba em mim”, brinca, de maneira irreverente, Calcanhotto.

Adriana Calcanhotto em novelas

Adriana, que ficou conhecida como uma compositora e cantora de canções românticas de músicas de novela, que, aliás, disse fazer também com prazer e com alegria. Dentre as várias canções, integrantes de novelas, destacam-se: “Devolva-me” (Lilian Knapp e Renato Barros), de “Laços de Família”, exibida em 2000, e “Não Demora” (Adriana Calcanhotto, 2016), da novela “A Lei do Amor” (2016), ambas exibidas pela Rede Globo.

“O Micróbio do Samba” e Lupicínio Rodrigues

Voltando ao samba, a cantora faz questão de ressaltar (e com orgulho) suas principais influências, incluindo Lupicínio Rodrigues.
“Mas aí quando apareceu o samba, as pessoas estranharam um pouco, né? Esse lugar, mas esse lugar aí era sobre o samba no meu violão, na minha obra, na minha vida e a figura que é o emblema disso tudo é o Lupicínio, por nós sermos conterrâneos e porque nós viemos pro Rio de Janeiro, série de coisas e pela genialidade dele.

O momento dele na história da música é um momento incrível, porque as pessoas estavam começando a cantar, rente a fala, a lá João Gilberto, mas ainda era muito novo e ele não era da Bossa Nova, ele é anterior, mas ele (Lupicínio) já cantava então ele cantava de uma maneira muito quase falada, letras absurdas de uma pessoa ter coragem de dizer essas coisas.

Então, ele é um grande achado. Agora, pra mim, que nasci, já na barriga da minha mãe, ouvi a Lupicínio, eu tive que me afastar um pouco dele, da obra dele, eu não morava mais em Porto Alegre, quer dizer, só em dois mil e onze, eu fui investigar a importância desse gênio total que era Lupicínio na minha vida”, reforça a compositora.

Marisa Monte também colaborou com “O Micróbio do Samba”

Outro nome de suma importância na Música Popular Brasileira, Marisa Monte, também deu sua colaboração para este lado mais sambista de Calcanhotto.
“Quando eu comecei, eu fiz um samba, depois fiz outro e depois não era intenção, entendeu? Vou sentar e vou fazer um samba. Não, vou tocar, vou fazer uma música, talvez eu vou só tocar, ou errar. E aí, começaram a sair sambas.

E a Marisa Monte já tinha feito o disco dela de sambas e, afinal de contas, ela tem essa ligação com a Portela e de muito tempo. A Marisa também é do mundo do samba, né? E ela me disse assim: ‘Você vai ver como o samba é fluido, você senta com as pessoas numa mesa, batuca numa mesa, não precisa de nada, um violão e uma garrafa e o samba, ele diz, ele vem, ele diz o que ele tem pra dizer, ele faz o que ele tem pra fazer. É, é muito, muito fluido’. E isso ela me avisou e eu, de fato, constatei”, admite Calcanhotto, ao nos contar sobre a importância do samba em sua vida.

Filho de Moraes Moreira também foi peça fundamental no “Micróbio do Samba”

Adriana também faz questão de valorizar quem a apoia e a ajuda, na carreira, nos bastidores, como foi no caso do “Micróbio”, com o violonista Davi Moraes, também grande guitarrista e filho do saudoso e eterno Moraes Moreira, da banda “Novos Baianos”. Segundo a cantora, um cisto a impedia de tocar e, assim, ela acionou um violonista profissional para “amaciar” o violão, o que a aproximou, para sempre, deste exímio guitarrista.

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“Então, a solução para fazer show de um disco que eu gravei todos os violões, foi chamar gente grande, um violonista de verdade, que é o Davi Moraes, com quem eu adorei trabalhar, viajar. Ficamos amicíssimos, amo ele e ainda por cima, esse violão meu de show que ele usou no ‘Micróbio’, ele amaciou pra mim, hoje em dia o meu violão de show foi amaciado pelo Davi Morais, isso pode parecer nada? Mas não é. É muita coisa e eu tenho muita gratidão por ele ter aceito o projeto. Enfim, ele é um príncipe, todo mundo sabe”, ressalta Calcanhotto.

O sol nascerá

Ao comentar sobre mais uma bela canção de “O Micróbio do Samba”, “Eu Vivo a Sorrir” (Adriana Calcanhotto), a cantora cita outra histórica música do samba brasileiro: “O Sol Nascerá”, de Cartola e Elton Medeiros (1961), que traz o seguinte trecho:

“A sorrir,
Eu pretendo levar a vida,
Pois chorando,
Eu vi a mocidade,
Perdida”.

“É a ideia de viver, a sorrir, né? Eu vivo a sorrir e tudo, primeiro é um comentário sobre um samba muito conhecido, um samba tradicional e é também minha forma de viver o mundo assim, não no sentido de viver, sorrir sem motivo, de um sorriso bobo.

Mas o que essa canção fala é: ‘Eu vivo a sorrir pro caso de o acaso estar num bom dia, pro caso de Virar a esquina e adentrar a livraria’, ou seja, eu já estou sorrindo, considerando que as coisas boas podem acontecer. Devo confessar que hoje tá mais difícil sorrir do que há dez anos, com tudo que a gente tá vivendo, mas como tudo é cíclico, a gente vai voltar a sorrir já, já”, acredita, esperançosa, a artista.

Qualquer maneira de amor vale a pena

Já quando comentou sobre o tema tratado em “Tá Na Minha Hora” (Adriana Calcanhotto), que fala de quando um relacionamento efêmero chega ao fim, tipo aqueles de “amor de Carnaval”, Calcanhotto se valeu de mais uma valorosa canção de nossa MPB, esta composta por Milton Nascimento e Caetano Veloso, “Paula e Bebeto” (1975):

“Qualquer maneira de amor vale a pena,
Qualquer maneira de amor vale amar”.

“Bom, no momento sem carnaval é difícil responder, mas eu sou a favor. Qualquer maneira de amor, vale a pena! No carnaval ou não, um dia, vinte anos, meia hora: tudo vale”, cravou a gaúcha.

O amor e a música mudam o mundo?

Para Adriana Calcanhotto, sim. Ao ser questionada se vale a pena mudar por amor, tomando como base a música “Vem Ver” (Adriana Calcanhotto e Dadi Carvalho), ela nos trouxe esta bela mensagem. “Eu não sei se vale a pena mudar pôr amor, depende do amor, depende de uma série de coisas. O que eu sei, a outra face dessa moeda, é que o amor muda, gente! O amor muda o mundo. Duas coisas podem mudar o mundo: o amor e a música”, relata Calcanhotto, ao abordar mais uma faixa de “O Micróbio do Samba”.

Esses passarão, nós passarinho

Para finalizar, Adriana Calcanhotto acredita que, tudo isso que estamos vivendo, este período de pandemia, vai passar. Para ilustrar seu sentimento, ela se vale de um poema pequeno, mas histórico, do grande escritor Mário Quintana, também gaúcho como ela.

Poeminho do Contra
Mário Quintana

“Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho”!

“Acredito muito que vai passar, acredito que tudo passa, as coisas boas passam porque as ruins não passariam, se a gente olhar pra história com mais ou menos tempo pra resolver a parada, sempre tivemos pandemias, epidemias, peste. É parte também da natureza isso.

E eu não sei, acho que já passou, na verdade, aquele mundo que a gente vivia no ano retrasado, já passou, ele já não existe mais. E vai passar. Assim, eu acho, as coisas que acontecem no Brasil, mal intencionadas, que desprezam as pessoas, que desprezam a ciência, a cultura, a saúde e sobretudo o Brasil, esses passarão, e nós passarinho”, finaliza, com a classe de sempre, Adriana Calcanhotto.

Para se deliciar com “O Micróbio do Samba”, clique aqui e curta suas 12 faixas, cada uma mais especial que a outra!

Marcos Aurélio

11 comentários sobre “O Micróbio do Samba, Adriana Calcanhotto e suas impressões após 10 anos

  1. Não tem como não gostar de Adriana pra mim ela é uma das melhores cantoras que conheço entre tantas Micróbio do samba fantástico. Abraço. Seus projetos são fantásticos. Adoro ❤🎶🎵

  2. Amo esse disco, adorei o show! E ouvi-lo segue sendo muito prazeiroso, no melhor estilo “eu nao ando só, só ando em boa companhia”…

  3. Arrasaram. Consumir Adriana é sempre o máximo, seja ouvindo um álbum, assistindo um show ou lendo uma entrevista (ou o Saga Lusa). Confesso que estranhei muito O micróbio do samba na primeira audição, depois fui infectado sem volta e me apaixonei, principalmente após o show.

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