História da música Cálice, de Chico Buarque
Lançada em 1978 e vetada pela censura, Cálice foi uma das canções políticas mais marcantes de Chico Buarque, falando sobre a vida dura na ditadura, e lhe rendendo repressão e julgamento até mesmo em uma apresentação ao vivo.
Quer saber como isso aconteceu e conhecer a história dessa canção emblemática? Então continue lendo, vamos te contar tudo sobre ela logo abaixo.
Confira:
História da Música Cálice
Composta por Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973, para uma apresentação no Show Phono 73, da gravadora Phonogram, Cálice nasceu sob polêmica e censura, e , vetada pelo governo militar da época, só seria gravada 5 anos depois, no álbum Chico Buarque, de 1978.
Com uma mensagem de cunho político e social, a canção chamava atenção pela relação com o tema da Paixão de Cristo, e pelo teor de crítica subliminar, fato que a fez ser censurada pela ditadura e até durante a apresentação da dupla naquele mesmo festival.
No ano de gravação, a canção acabaria recebendo a voz de Milton Nascimento, no lugar de Gil, se tornando posteriormente um hino contra a força da repressão e da tortura, temas dos quais tratava com uma letra poética e forte.
Uma canção censurada pela repressão política
Desde a criação, Cálice já trazia letra e melodia diferentes, tratando de temas duros, como a tortura e a censura instauradas pelo governo militar, e as imagens do cálice de cristo e do sofrimento das pessoas.
Talvez por isso, tenha se tornado uma música controversa, criando imagens fortes e sons provocativos, fato que não agradou ao governo da época. Confira outras histórias das músicas conosco.
Com tudo isso, a música acabaria sendo vetada pela censura, e proibida de ser cantada no próprio festival, por recomendação dos organizadores do evento.
Mesmo assim, num ato de rebeldia, Gil e Chico Buarque subiram ao palco e se apresentaram para o público, trocando a letra da música por sons vocais estranhos, para evitar repressões, mas isso acabaria não sendo suficiente.
No meio da apresentação ao vivo, eles teriam seus microfones cortados pela casa, o que gerou revolta na plateia e no próprio Chico, irritado com toda aquela repressão.
Mas isso não seria suficiente para apagar sua mensagem…
Regravações de Cálice ao longo dos anos
Mesmo com a repressão sofrida, Cálice ganharia o mundo e a voz de outros artistas já em 1978, com a participação do próprio Milton Nascimento.
Nos anos seguintes, a canção seria gravada por outros nomes importantes da música brasileira, consolidando sua força e sua mensagem política, que sobreviveu à censura e perdurou no tempo.
Confira as principais versões de Cálice:
- Maria Bethânia – No mesmo ano de lançamento da canção, Maria Bethânia gravaria sua versão no álbum Álibi, ganhando até mesmo um clipe exibido pela TV Globo, em que se apresentava com toda a teatralidade marcante da sua música;
- Gilberto Gil – Após a apresentação polêmica com Chico no festival, Gil também chegou a gravar uma versão solo da canção para o disco Ao Vivo na USP, de 1973;
- Pitty – A musa brasileira do rock também já contribuiu com sua voz para a canção dos dois cantores, lançando uma versão rock n’ roll no álbum Indireto, de 2011;
- Criolo – O rapper Paulista Criolo, lançou uma versão adaptada de Cálice, em 2007, com letra que fala da vida dura da favela e do preconceito, ganhando reconhecimento e aprovação do próprio Chico Buarque.
A mensagem metafórica sobre a vida na ditadura
Um dos pontos mais marcantes da letra de cálice, é a mensagem forte que a canção traz nos versos, usando uma analogia com a Paixão de Cristo para transmitir a dor e a tristeza de um povo que vivia sob a ditadura.
Com imagens fortes, a música fala sobre a tortura e o silêncio sofridos pela população, fazendo um trocadilho com a palavra cálice, de mesma sonoridade que a frase “cale-se!”, imperativa e opressiva, falando nas entrelinhas sobre o próprio ato de censura, mal que os cantores viveram na pele.
Com isso, a canção trazia problemas comuns da vida sob a ditadura, como o silêncio compulsório, o medo da violência, o inconformismo com a realidade morta que se instaurava, e a vontade de soltar as palavras presas na garganta, trazendo versos cheios de metáforas, feitas para encobrir a crítica afiada.
Analisando a Letra de Cálice
Já nos primeiros versos da letra de Cálice, vemos um eu lírico desiludido, rezando a Deus e pedindo que afaste de si o cálice sujo de sangue, da repressão e violência.
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Pai, afasta de mim esse cálice, pai
Afasta de mim esse cálice, pai
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Nas estrofes seguintes, o eu lírico reflete sobre a bebida amarga da opressão e da labuta que muitos tiveram que engolir, e pensa que de nada vale ser filho consagrado, e viver numa realidade morta e cheia de mentiras.
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Nos versos finais, vemos a desolação do eu lírico, que traz imagens fortes, e uma tristeza profunda capaz de levá-lo à morte.
Talvez o mundo não seja pequeno (cálice)
Nem seja a vida um fato consumado (cálice, cálice)
Quero inventar o meu próprio pecado
(Cálice, cálice, cálice)
Quero morrer do meu próprio veneno
(Pai, cálice, cálice, cálice)
Quero perder de vez tua cabeça (cálice)
Minha cabeça perder teu juízo (cálice)
Quero cheirar fumaça de óleo diesel (cálice)
Me embriagar até que alguém me esqueça (cálice)
Sobre a Carreira de Chico Buarque
Chico Buarque nasceu no Rio de Janeiro em junho de 1944, e ganhou fama como cantor aos 20 anos com o lançamento de seu primeiro álbum. Desde então nunca mais parou de compor.
Sua obra é marcada pela interconexão entre música e literatura, além de fortes posicionamentos políticos, que marcaram a música brasileira no período da ditadura Militar.
Entre os diversos prêmios da sua carreira estão 6 prêmios Jabuti, um Grammy Latino e o prêmio Camões pelo conjunto da obra em 2019, que lhe consagram como um dos poucos artistas de grande envergadura na história do país.
Que tal relembrar uma de suas canções mais controversas e políticas?
Clique no player abaixo e escute a melodia forte de Cálice.
Uma letra eterna e deveria ser usada AGORA, antes a ameaça de nova ditadura!