A música brasileira no Japão vai muito além das Olimpíadas
A música brasileira no Japão ganhou grande destaque durante este período em que são realizadas as Olimpíadas de Tóquio 2020, que foram adiadas devido à pandemia da Covid-19.
O DJ Stari, um austríaco que agita as arenas do vôlei, viralizou nas redes sociais, ao tocar de Pabllo Vittar a Legião Urbana, nos intervalos das partidas ou entre uma parada e outra.
Apesar disso, o sucesso da música brasileira no Japão vem de bem antes do período olímpico. Mônica Salmaso, por exemplo, faz grande sucesso por lá e até já lançou um álbum gravado no país nipônico, antes mesmo de lançá-lo aqui no Brasil. Além de Salmaso, ícones da nossa MPB, como Tom Jobim, João Gilberto e Carmem Miranda também já foram reverenciados em terras asiáticas!
Acompanhe mais detalhes do sucesso da música brasileira no Japão, a seguir, com o Versos e Prosas.
Quem é o DJ austríaco que bomba no Japão?
Com certeza você já ouviu nas transmissões olímpicas. A música explode no ginásio entre um ponto e outro, como se fosse uma festa. Parte fundamental nas partidas de vôlei do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio, a trilha sonora ultrapassou os limites da quadra e viralizou nas redes sociais. E apesar de conhecer muito bem o gosto dos jogadores e da torcida, que dessa vez acompanha as Olimpíadas de casa, o DJ que está “bombando” nas redes não é brasileiro.
Michael Staribacher, o DJ Stari, é austríaco. Foi descoberto em etapas do tour de vôlei de praia no país. Foi tão bem que foi chamado pela Federação Internacional de Vôlei para tocar também nas quadras. Agora, nas Olimpíadas, ganhou o público brasileiro ao conseguir unir Pablo Vittar e Raça Negra, passando por Legião Urbana e Chitãozinho e Xororó. Foi a senha para virar sucesso instantâneo nas redes sociais dos brasileiros.
“Eu estou realmente impressionado. Eu tento ler e responder o máximo de mensagens possível. Mas, nesse momento, é impossível porque são muitas. Então eu peço desculpas se acabo ignorando algumas pessoas, mas é só uma questão de tempo mesmo. É um sentimento realmente muito bom. Porque, no último ano e meio, não foi fácil para as pessoas que trabalham no mesmo meio que eu. Mas, às vezes na vida, tudo volta”, afirmou o animador, em entrevista ao G1.
O DJ Stari contou como conseguiu ficar em total sintonia com o gosto eclético dos brasileiros. “Eu usei esse tempo livre para pesquisar muito sobre música internacional – e, claro, muita música brasileira. Porque eu tinha a certeza que seria possível de novo estar em um evento esportivo, um evento de vôlei e tocar para os jogadores e para os fãs. Agora é o tempo em que tudo volta”, afirma o DJ Stari.
O DJ Stari usou o tempo sem eventos durante a pandemia de coronavírus para buscar músicas de outros países. A playlist do DJ austríaco também conta com artistas italianos, russos, franceses, mas são mesmo os brasileiros que fazem mais sucesso.
A música brasileira no Japão para além das Olimpíadas
A música brasileira no Japão já tem grande aceitação pelo país, mesmo antes da febre do DJ Stari. A cantora paulista Mônica Salmaso, por exemplo, lançou um álbum por lá, antes mesmo de disponibilizá-lo aqui no Brasil, devido ao sucesso que fez com uma turnê pelo país asiático. Além dela, grandes nomes da nossa música, como João Gilberto, Tom Jobim e Carmem Miranda também conquistaram os corações dos nipônicos.
A cantora Mônica Salmaso guarda com carinho as palavras que ouviu de um presidente de uma associação de apreciadores de música brasileira da pequena e montanhosa cidade de Yamagata, no norte do Japão. Ela, o violonista Guinga, o flautista e saxofonista Teco Cardoso e o clarinetista Nailor Proveta haviam acabado de apresentar o primeiro dos quatro shows que fizeram pelo país em abril de 2019 e foram recebidos para um jantar.
Após um discurso – e muitos presentinhos -, o líder, um médico, disse que, apesar da distância entre os países e das diferenças culturais, ele, que não falava português e tampouco compreendia as letras das canções, havia se emocionado e recordado imagens de sua infância.
Essas apresentações, que celebravam a música do carioca Guinga, deram origem ao álbum Japan Tour 2019, lançado no Japão em um sistema de financiamento coletivo. Apenas neste ano, a gravadora Biscoito Fino lança o projeto aqui no Brasil, nas plataformas digitais e, futuramente, também será disponibilizado no formato físico.
A música brasileira no Japão chega aos tempos de Carmem Miranda
O produtor japonês Jin Nakahara, responsável pelo programa Saúde! Saudade, dedicado à música latina, veiculado pela rádio J-Wave de Tóquio há quase 33 anos, atesta que a ideia de que se tem os japoneses só gostam de bossa nova não corresponde à verdade. “Um grande número de japoneses, inclusive aqueles que não ouvem música brasileira, ouvem e respeitam Antônio Carlos Jobim e João Gilberto. Acho que a música deles é muito mais importante do que o gênero musical”, diz ao Estadão.
O programa que Nakahara produz elege a cada ano um disco brasileiro de destaque. Em 2020, o eleito foi Na Chave da Alegria, de Sérgio Mendes. O radialista, que viu seu primeiro show de música brasileira em 1979 (Elis Regina e Hermeto Paschoal no Live Under The Sky, festival de jazz em Tóquio), diz que os artistas mais populares no país neste século são Caetano Veloso e Marisa Monte. “Ambos são os mais veiculados no programa”, afirma o produtor.
De acordo com o jornalista japonês Willie Whopper, autor de seis livros sobre música brasileira, a relação dos japoneses com cantores do Brasil começou com o 78 rotações – um formato pré LP – de Carmen Miranda que trazia o samba Alô, Alô, de 1934.
Com a bossa nova, o interesse pela música brasileira no Japão se estreitou. A cantora Nara Leão esteve no país nos anos 1960 em turnê com Sergio Mendes. Em 1985, ela gravou um disco por lá na companhia de Roberto Menescal, músico idolatrado pelos japoneses por conta da canção O Barquinho. Em 1989, um comercial de cerveja com a voz da cantora ao fundo ficou muito popular entre os japoneses.
Outros cantores brasileiros se destacam no Japão
A música brasileira no Japão também contou com nomes como Elizeth Cardoso e Clara Nunes, que fizeram temporadas de shows no país asiático. Nos anos 1990, Joyce tornou-se uma das artistas brasileiras com mais prestígio por lá.
“Os japoneses estão interessados em música de toda a parte do mundo, mas eu acho a brasileira melhor. É mais suave, tranquila”, diz Whopper, que assina textos de encartes de 25 CDs de uma coleção recém-lançada pela gravadora Universal Music Japão, com 100 títulos que há tempos estão fora de catálogo no Brasil ou que nem sequer foram lançados nesse formato por aqui.
Cada CD custa 1.100 ienes, algo em torno de R$ 50 no Brasil, preço considerado “barato” pelos colecionadores de lá.
Procurada pela reportagem do “Estadão”, a Universal Brasil não respondeu se há planos de disponibilizar a coleção para o público brasileiro que ainda se interessa pelo formato físico.
Outras gravadoras, como Warner e a Sony – essa última já não lança mais formato físico por aqui – lançam regularmente seus acervos por lá. A Deck também faz essa distribuição. No ano passado, chegaram em solo japonês títulos de artistas como Marcos Valle, Hélio Delmiro, João Donato, Wanda Sá e Marcelinho da Lua.
Música brasileira no Japão emociona os asiáticos
Para Nanci Lissa, a produtora que levou Mônica e Guinga ao país, o público de música brasileira no Japão não é tão grande, porém, aqueles que se tornam fãs se dedicam profundamente à obra dos artistas. “São colecionadores de discos, pesquisam todo o trabalho e têm um conhecimento incrível”, diz ela, que, de 2014 a 2020 trabalhou na revista Latina, criada em 1952, primeiramente para falar de músicas mexicanas e tangos argentinos e que, aos poucos, se rendeu à música feita no Brasil com capas dedicadas a artistas como Edu Lobo, Gilberto Gil, Gal Costa, Beth Carvalho e Egberto Gismonti.
De acordo com Nanci, 2019 foi especial para os cantores brasileiros no Japão, com apresentações de nomes como Hermeto Pascoal, Marisa Monte, Joyce, Zé Renato, Tom Zé, Quartabê, Yamandu Costa e Ordinarius. “Foi um ano de muita alegria”, diz a produtora, que ainda cita o carnaval no bairro de Asakusa, que já dura 40 anos, e as rodas de choro.
Entre artistas brasileiros contemporâneos, Nanci, Whopper e Nakahara apontam nomes como Rubel, Dani Gurgel, André Mehmari, Vanessa Moreno, Amaro Freitas, Ana Frango Elétrico e Luísa Lacerda. “Uma nova geração está sendo descoberta por produtores e por fãs que escrevem em blogs. É incrível. Eles entram em contato diretamente com o artista por meio das redes sociais”, afirma Nanci, ao Estadão.
E por que a música brasileira emociona tanto os japoneses? “É uma pergunta difícil, mas antes de tudo, penso que a música brasileira tem entrada ampla para quem gosta de rock, soul, hip hop, jazz, etc. Além disso, é rica em melodia e harmonia musical. Os japoneses também são atraídos pela sonoridade da língua portuguesa”, diz Nakahara.