A Casa, de Vinicius de Moraes: conheça a história do clássico infantil
“Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada…”. Esta é A Casa, composição de Vinicius de Moraes, brilhantemente musicada e interpretada pelo cantor e compositor Toquinho, um dos grandes parceiros do Poetinha, como Moraes era carinhosamente chamado.
Muito diferente do que se diz por aí, quando muitos afirmam que a música ‘A Casa’ representaria o útero da mãe, o significado real da letra, na verdade, é completamente diferente e a tal “casa muito engraçada” existe de verdade. O poema escrito por Vinícius de Moraes e que Toquinho transformou, brilhantemente, em música, lançada em 1980, retrata a Casapueblo, localizada no Uruguai.
Confira, na sequência, com o Versos e Prosas, o que há, de fato, por trás do poema A Casa, de Vinicius de Moraes, musicado por Toquinho, e que é um dos grandes clássicos do cancioneiro infantil.
Algumas teorias sobre o significado da canção
Como dissemos mais acima, uma das teorias mais espalhadas por aí é a de que A Casa falaria do útero da mãe, a primeira morada de todo ser humano, não é verdade?
A teoria, embora pareça fazer algum sentido, mas, vale destacar, não é a história real por trás da canção, que virou um verdadeiro clássico infantil. Ela já foi desmentida, por diversas ocasiões, por Toquinho, grande parceiro de Vinicius e que musicalizou o poema A Casa.
A realidade das pessoas em situação de rua, com a descrição de uma casa ao relento, é outra hipótese levantada para o sentido do poema/canção, mas também, vale ressaltar, não é o verdadeiro.
Para que você, de fato, entenda o significado da letra, primeiro é necessário compreender os bastidores presentes por trás da composição, que, embora não pareça, se baseou sim em uma casa verdadeira, de um amigo uruguaio do eterno Poetinha. Confira, a seguir, com o Versos e Prosas.
O poema A Casa e seus bastidores
Ao contrário do que você poderia imaginar, a casa muito engraçada não é mero fruto da imaginação do poeta Vinicius de Moraes. Ela existe, de fato, e está localizada em Punta Ballena, no litoral do Uruguai.
Vamos recapitular, desde o início da história. O pintor e compositor uruguaio Carlos Páez Vilaró visitou Punta Ballena, no Uruguai, pela primeira vez, no longínquo ano de 1958. Vilaró então decidiu que ali seria o lugar perfeito para construir sua casa, após ter ficado encantado com aquela região.
Lá no comecinho, a casa era apenas um cômodo de latas. Com o tempo, ela foi crescendo e as latas deram lugar à madeira. O artista começou a esculpi-la com as próprias mãos, utilizando cimento.
O pintor uruguaio contou, à Folha de São Paulo, em matéria publicada em 2013, que a construção demorou trinta anos para ser finalizada, uma vez que fez a casa ladrilho por ladrilho. “Se um pássaro com um bico constrói sua própria casa, por que não me animar a fazer a minha com minhas próprias mãos?”, diz o uruguaio. Confira outras histórias das músicas com o Versos e Prosas.
Um dos amigos mais próximos de Vilaró era o poeta, escritor e diplomata brasileiro, Vinicius de Moraes. Ele afirmava que, a cada vez que visitava o amigo, encontrava uma casa diferente, sempre maior, naquele local, mas que nunca estava pronta, devido ao cuidado e paciência de Vilaró para construí-la, e, de fato, a considerava muito engraçada.
Casa uruguaia passou a ser um ponto turístico
A casa uruguaia de Carlos Páez Vilaró e seu modo único de construção foram, gradativamente, chamando atenção dos que visitavam a cidade e ela, então, começou a se tornar um ponto de visitações constantes. O pintor uruguaio afirmava que a casa se nutria da energia dos milhares de visitantes que passavam por lá.
A Casapueblo, como foi batizada por Carlos Vilaró, abriga, atualmente, uma galeria, um museu e um resort.
A Casa e o significado do poema de Vinicius de Moraes
De acordo com Carlos Vilaró, o poema de Vinícius de fato se referia à Casapueblo. O poeta brasileiro cantou a música pela primeira vez na casa do amigo uruguaio, conforme confirmou a filha do Poetinha, Georgiana de Moraes, ao comentar sobre a canção para o canal do YouTube Galinha Pintadinha, em janeiro de 2021: “Vinicius ia lá sempre, para visitar esse grande pintor, compositor, ruralista, que recebia os visitantes mais ilustres. Quando ele ia lá, as meninas, filhas do Vilaró, pediam sempre a versão que Vinicius tinha feito para elas, que era: ‘e não podia fazer pipi, porque pinico não tinha ali, e era feita com pororó, era a casa de Vilaró’”, relatou a filha de Vinicius.
A canção, como relatado por Georgiana, foi um presente de Vinicius para as filhas do uruguaio, Agó e Beba.
A palavra pororó, vale destacar, caso seja usada como uma gíria, pode ser interpretada como uma protelação, uma enrolação, ou seja, algo que é demorado e sem objetividade. Isso se encaixaria bem e faria sentido, se considerarmos toda a paciência e calma do mundo que o pintor uruguaio teve para construir sua “casa muito engraçada”.
“Era uma casa muito engraçada
Não tinha teto, não tinha nada
Ninguém podia entrar nela, não
Porque na casa não tinha chão
Ninguém podia dormir na rede
Porque na casa não tinha parede”.
Quando olhada de frente, dá-se a impressão de que, de fato, na casa não tinha teto, não tinha nada, como dizia a letra da canção. Isso ocorre porque, como a casa foi construída à beira de um penhasco, parece que não há teto, chão, nada ali.
E a casa parecia sem paredes, como se ficasse inteira, sem divisões, porque foi toda moldada com as mãos e pintada de branco.
A Casa sempre estava incompleta, aos olhos do poeta
“Ninguém podia fazer pipi
Porque penico não tinha ali
Mas era feita com muito esmero
Na rua dos bobos, número zero
Mas era feita com muito esmero
Na rua dos bobos, número zero”.
De acordo com os versos do poema de Vinicius de Moraes, as outras coisas que faltam na casa se referem justamente ao fato de que durante as visitas do poeta brasileiro, à casa do pintor uruguaio, o local nunca estava pronto, uma vez que, aos olhos do poeta, sempre faltava algo.
Ainda segundo a filha de Vinicius, Georgiana de Moraes, a casa, de fato, era, digamos, inusitada: “É uma casa em frente ao mar, que eu tive a graça de visitar, e que constatei que, realmente, era uma casa bastante diferente, com torres, escadas, que davam em salinhas, que davam em outras escadas. Era uma casa muito divertida”, pontuou a cantora e compositora.
Toquinho, grande parceiro do Poetinha, e que musicou o poema, de 1980, dá mais detalhes de sua composição: “A casa é bem diferente, à beira de um penhasco, parece levitar ao pôr do sol. Fica a imagem de uma casa engraçada”, relata o músico, que ainda completa, fazendo a descrição do local e enchendo a bola do amigo Poetinha:
“Sem teto, sem chão, sem parede. Eis a magia da poesia de Vinícius”, disse Toquinho.
Apesar de ser um poema infantil, pela visão de quem conhece a casa, o texto de Vinicius de Moraes demonstra bem as sensações que a beleza do lugar trouxe, que foi feito, sim, com muito cuidado e carinho, ou, como diz a própria letra: “com muito esmero”!
Após saber o real significado do poema, que virou música, “A Casa”, de Vinicius de Moraes e Toquinho, escute a canção novamente e relembre seus tempos de criança!