A travessia entre a influência da música mineira e a MPB

A influência da música mineira no cenário musical brasileiro e até mesmo mundial é inegável. A influência da música mineira, mais especificamente do Clube da Esquina, marcou e ainda marca várias gerações Brasil afora.

Clube da Esquina é um termo usado para se referir a um grupo de músicos, compositores e letristas, surgido na década de 1960 em Belo Horizonte, mais especificamente no bairro de Santa Tereza, na esquina entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis.

O Clube da Esquina conta com nomes como Milton Nascimento, Toninho Horta, Wagner Tiso, Fernando Brant, Lô Borges, Beto Guedes, Márcio Borges, dentre outros.

Clube da Esquina: uma sonoridade vanguardista

A sonoridade do Clube da Esquina é intensamente caracterizada como inovadora. Como característica desta sonoridade, têm-se, por exemplo uma espécie de fundição das inovações trazidas pela Bossa Nova com elementos do jazz, do rock – principalmente os Beatles –, música folclórica dos negros e mineira, música erudita e música hispânica.

Na década de 1970, esses artistas tornaram-se referência de qualidade na MPB pelo alto nível de desempenho e disseminaram suas inovações e influência a nível mundial.

A inovação musical do Clube da Esquina e sua sonoridade específica faz com que haja a proposta por parte de fãs, da crítica e também de estudiosos, que o Clube seja considerado não apenas um grupo, mas sim um movimento musical.

A influência da música mineira é reconhecida, dentre tantos, por artistas como Roberta Campos, Airton Bovo, Delia Fischer, Flávio Landau, além do jornalista e crítico musical, Mauro Ferreira, colunista do G1.

Eles deram seus depoimentos, ao Versos e Prosas, e foram só elogios ao Clube da Esquina, bastante valorizado por sua variedade de gêneros e por tratar de música com uma linguagem bem mineira e, ao mesmo tempo, universal! Acompanhe, na sequência, conosco!

A travessia da música e a música Travessia

A influência da música mineira, em particular do Clube da Esquina, é percebida, de maneira muito clara, por Airton Bovo, poeta, publicitário e compositor, por exemplo, do single Imprevisível, lançado em fevereiro deste ano, pela banda mineira Jota Quest.

O compositor nos lembra que Milton Nascimento teve quatro músicas inscritas no Festival Internacional da Canção, em 1967, pelo amigo Agostinho dos Santos, constando, ainda, que Bituca, como Milton é carinhosamente chamado, não sabia disso: Morro Velho, Maria, Minha Fé e Travessia.

“A canção travessia, com letra de Fernando Brant, não ganhou o festival mas ganhou o Brasil e o mundo. Travessia virou Bridges em 1969 no disco Courage – gravado nos EUA com arranjos de Eumir Deodato- e versão para o inglês do letrista canadense Gene Lees”.

Airton Bovo completa, valorizando o que há de melhor do Clube da Esquina, em particular de Milton Nascimento. “Daí pra frente, soltando a voz nas estradas, Milton carregou junto dele e com jeitinho muito mineiro – apesar de ter nascido carioca – uma legião de poetas, inspirados, pirados, visionários mineiros, lá no Clube da Esquina.

Não sei se dá para chamar de movimento. Mas foi pavimento. Alicerce. Luz para tudo o que veio a partir de uma dicção muito própria, única, de um timbre que unia folk mineiro, canto gregoriano, mineiro, jazz,  de uma orquestração específica – diferente de bossa nova ou tropicalismo– mas que englobava tudo isso com uma qualidade musical original e originada ali, ( ou aqui ) em Minas.

Nascia uma espécie de mpb progressiva na linha do rock progressivo que rolava ao som de Yes, Genesis, King Crimison, Jethro Tull, etc”.

A influência da música mineira e os diversos estilos, encampados em um só

O cantor e compositor paulistano Fi Bueno, que vai lançar um álbum, em breve, com Anastácia, considerada a Rainha do Forró, se disse bastante grato, ao ser questionado sobre a importância do Clube da Esquina em sua carreira.

Fi Bueno, cantor e compositor
Foto: Facebook Oficial

Esse convite, para eu falar um pouco sobre o que é a música mineira, do que foi o Clube da Esquina na minha formação musical para mim é um presente, para eu contar um pouco das minhas raízes, das minhas origens.

Eu nasci em 1981, então na minha casa eu sempre ouvi o Clube da Esquina, sempre ouvi Milton Nascimento, Fernando Brant, Cristóvão Bastos (um pianista maravilhoso), Flávio Venturini, Lô Borges, e tantos outros.

Toninho Horta, que é um violonista maravilhoso, que transformou o violão brasileiro, as harmonias incríveis que ele fez ali. Essa minha formação, bebendo nessa música mineira foi fundamental, porque eu sempre tive uma coisa visceral com a música, afirma o artista, que completa.

Eu acho, que o que a música mineira mais me ensinou foi isso, essa relação da música, da composição, com a voz do coração, com a vocação, vocação que tem essa etimologia da voz do coração.

Esse, para mim, é o grande berço da música mineira, e que está inclusive muito explícito nas letras, as letras das músicas dos mineiros do Clube da Esquina falam diretamente disso, da relação com a natureza, com a infância, com os sonhos, com o vento e com a voz do coração, detalha Fi Bueno.

O cantor e compositor, concordando com o que Airton Bovo relatou, ao Versos e Prosas, também vê no Clube da Esquina uma mistura de vários ritmos, mas que, ao se completarem, se torna um estilo único.

Airton Bovo, poeta, publicitário e compositor
Foto: Arquivo Pessoal

Quando eu fui tocar no teatro histórico de Ouro Preto, eu senti muito essa força que tem nas cidades inconfidentes, que em todas estas cidades, a força da arte sacra, a força do Barroco, mas tem uma influência religiosa muito forte em Minas.

E essa música que surgiu nos anos 60, em Minas, tem muito essa força da Igreja, é uma música que bebe diretamente da música sacra, então tem essa força melódica e harmônica espetacular.

Fi Bueno ainda destaca.

Há um gene harmônico-melódico, que tem essa origem sacra, angelical, mas tem também uma influência de música indígena, negra, de toda aquela mistura que, no Brasil, acontece em cada região de uma forma, mas o que diferencia o Clube da Esquina são harmonias espetaculares, muito verdadeiras, muito ancestrais.

Milton falava que compunha tudo para Elis Regina e ela, claro que gravou, a maior cantora do Brasil, reconheceu a sensibilidade e o alto nível da música, admite o artista paulistano.

A diversidade da música mineira

A influência da música mineira também se caracteriza por sua diversidade de estilos. Assim pensa o cantor e compositor Flávio Landau, que se auto intitula o roqueiro da roça.

Flávio Landau, o roqueiro da roça
Foto: Facebook Oficial

Apesar de ser suspeito para falar sobre a nossa música mineira (risos) Eu arrisco a dizer que somos uma das classes mais ecléticas do país… Desde Ary Barroso, clara Nunes, passando por Milton Nascimento e até o trash metal do Sepultura, temos uma infinidade de motivos…, afirma o mineiro de Alfenas, cidade do Sul do estado.

Sobre o Clube da Esquina, Landau completa.

Mas obviamente que o clube da esquina foi fundamental na música popular brasileira. A mistura e riqueza das obras “dessa turma” é algo fantástico e extremamente atemporal. A sonoridade, a valorização do sotaque, e até mesmo o aroma ao ouvir essas canções nos transporta pra uma dimensão muito brasileira sabe? Algo regional que parece estar dentro do coração da gente.

Creio que Elis Regina tenha realmente sentido isso também quando regravou grandes sucessos do Milton, o que ajudou demais não só a projetá-lo mais ainda pro mundo, bem como toda a turma, Tavito, Toninho Horta, Beto Guedes, Lô Borges, Wagner Tiso (que sempre esteve ao seu lado), e tantos outros, afirma o cantor, que pertence a uma família de músicos.

Beto Guedes: influência para diferentes artistas

Um dos grandes nomes do Clube da Esquina, sem dúvidas, foi Beto Guedes. Nascido em Montes Claros, ele se mudou bastante novo para Belo Horizonte e fez parte da turma de amigos que reunia para cantar e compor na famosa esquina de Santa Tereza.

Foto do bairro de Santa Tereza
Foto: Felippe Drummond

Um dos artistas mais populares e um grande compositor do Maranhão, Erasmo Dibell, natural de Carolina, no sul do estado, o violonista, intérprete e compositor também falou, ao Versos e Prosas, com muito carinho do Clube da Esquina, especialmente de Beto Guedes.

Erasmo Dibell, cantor e compositor maranhense
Foto: Facebook Oficial

Esse movimento, dos artistas mineiros, especificamente do Clube da Esquina, é fundamental para todos nós, especialmente aqui do Sul do Maranhão.

Eu me lembro que, em 1990, 1991, quando nós começamos a frequentar os palcos da capital, São Luís, uma das primeiras coisas que os críticos, os jornalistas, detectaram nas nossas composições era essa forte influência da mineirada, brinca o maranhense, que prossegue.

Eu passei dois anos, em períodos alterados, em 80 para 81, e depois em 87, 88, bebendo dessa fonte maravilhosa que é a música mineira. E não à toa, o meu predileto continua sendo Beto Guedes, elogia Dibell.

Beto Guedes agrada do popular ao clássico

A influência da música mineira não está presente apenas entre os cantores populares. A carioca Delia Fischer, cantora, compositora, pianista, produtora e arranjadora falou, ao Versos e Prosas, sobre a importância, para ela, do Clube da Esquina, da parceria que fez com Milton Nascimento e de um álbum que ela adora de Beto Guedes.

Antes de entrar fundo no Clube da Esquina entrou na minha vida de adolescente o álbum A Página do Relâmpago Elétrico (1977), do Beto Guedes. Ali eu enxerguei o Rock Progressivo misturado a alguma coisa muito diferente, e me apaixonei.

Esse álbum me fez chegar mais perto do Flavio Venturini, do Lô Borges e, mais tarde, Milton Nascimento passou a ser uma das maiores referências de música, voz, arranjos e ideias pra mim, afirma a pianista.

Délia ainda completa, citando outros grandes nomes do Clube da Esquina, com quem já trabalhou.

Delia Fischer, cantora, compositora, pianista e arranjadora carioca
Foto: Facebook Oficial

Bem depois, tive a oportunidade de colaborar no palco e em gravações com Toninho Horta, Nivaldo Ornellas, Nelson Ângelo e fui parceira de muitas músicas com Yuri Popoff.

Trabalhei também como cantora e arranjadora no espetáculo ‘Nada Será Como Antes’ sobre a vida de Milton em que musicalmente vivi uma grande parte da obra do Bituca.

Então, acho que sou uma carioca com muita estrada de ferro em trens mineiros, diz a artista, cheia de orgulho.

O tempero da música mineira

A influência da música mineira também mexeu com o poeta, compositor, produtor e dono do selo e produtora Sete Sóis, Flávio Alves.

Usando aqui uma frase popular e proverbial, “desde que me entendo por gente” (em que pese o fato de eu jamais me entender e muito mesmo entender o que é gente), tenho uma ligação afetiva muito forte com a canção, de modo que há quase duas décadas resolvi montar um selo/editora/produtora, e além do universo poético que sempre transitei desde a adolescência, resolvi enveredar-me também no universo da composição. Costumo devorar tudo o que envolve o nosso cancioneiro popular, livros, discos e tudo mais.

O Clube da esquina e a canção popular feita em Minas sempre exerceu um grande fascínio em mim, e obviamente em gente do mundo todo, eis que, grandes músicos e artistas de várias localidades, até hoje, quando chegam no Brasil querem visitar o Clube da Esquina, que sempre foi mais um movimento quase que involuntário, gestado na casa dos Borges, do que um local físico.

O poeta e produtor Flávio Alves continua.

Nas canções dos mineiros do clube da esquina e suas adjacências e derivações estéticas e ou artísticas, havia Beatles, Jazz, Música sacra, além de outros elementos.

Mas havia um tempero mineiro próprio, não havia emulações, havia aquela conjunção de fatores tantos, que até hoje há teses, ensaios, artigos, tentando explicar esse movimento que influenciou toda uma geração e ainda influencia tantos outras, e vai além disso, eis que muitos desse artistas estão atuantes, influenciando e sendo influenciados, basta ouvir parcerias radiofônicas do pessoal do Skank com Milton Nascimento, Lô Borges. Isto apenas para ficar em um exemplo mais óbvio.

Para o poeta, o que se destaca do Clube da Esquina é a competência do grupo para transformar o que for preciso em poesia.

“O que me chama atenção nessa galera do Clube da Esquina, além da óbvia capacidade técnica, artística, musical, estética e por ai vai, é a capacidade singular de transformar tudo em poesia.

Há canções para uma cadela (Diana), para um jipe (Manuel Audaz), Para o avião/voo (Nas Asas da Panair), para o trem (Trem Azul, Ponta de areia), subjetivando objetos, humanizando animais, este universo contemplativo singular onde da janela lateral há um desfile imagético de elementos poéticos míticos e místicos.

A ausência do mar transforma signos do cotidiano em elementos líricos, com forte conteúdo poético. Para que naus, se há um trem rasgando os montes e os belos horizontes?

É claro que, esses mineiros fizeram sua interseção com o mar, afinal o Rio de Janeiro estava ali ao lado, Ronaldo Bastos participava do “Nuvem Cigana”, importante movimento da chamada cena poética marginal carioca, que tinha entre seus integrantes Cacaso, Bernardo Vilhena, Chacal, apenas para citar alguns…

Milton e seus familiares mantinham uma relação estreita com a cidade, mas os caras mantiveram o canto do quintal, da aldeia, mantiveram o tempero, cravo, canela e cachaça, e como dizia Tolstói “se queres ser universal, comece por pintar a sua aldeia” – frase muitas vezes atribuída ao poeta português Fernando Pessoa, talvez por enaltecer em um dos seus poemas o rio da sua aldeia, afirmando que o Tejo é belo, porém não tanto quanto o rio da sua aldeia. Assim, de maneira tímida, à moda mineira, o clube da  esquina tornou-se universal.

Artistas cariocas também reverenciam o Clube da Esquina

A influência da música mineira não poderia deixar de passar pelo Rio de Janeiro. Além de Milton ser carioca de nascimento, embora mineiro de coração e alma, o grupo contava, por exemplo, com Ronaldo Bastos, nascido em Niterói, no Grande Rio, e o próprio Milton morou por anos na Cidade Maravilhosa.

Dois cantores e compositores cariocas também falaram, com o Versos e Prosas, da influência da música mineira em suas carreiras. O primeiro deles, Pedro Luís, cita a grandiosidade do grupo e fala de uma canção em particular.

Pedro Luís, cantor e compositor carioca
Foto: Facebook Oficial

Nos álbuns do Clube da Esquina inaugura-se pra mim, além de um repertório sublime de canções, o prazer da apreciação de um som de gravação e mixagem jamais ouvido nos vinis nacionais. A viagem da música fica mais gigante, ampliada, a partir daí. Difícil destacar só uma nesse conjunto de maravilhas, mas pinço ‘Para Lennon e McCartney’ como uma possível predileta.

Por sua vez, João Cavalcanti, cantor e compositor, destaca a capacidade do Clube da Esquina de ser regional e mundial, ao mesmo tempo.

João Cavalcanti, cantor e compositor carioca
Foto: Facebook Oficial

A música mineira me influencia em tudo. Através dos meus pais ouvi o Clube da Esquina, bem como todo esse repertório que orbitava essa linguagem (o disco do tênis do Lô, o Terra dos Pássaros do Toninho, etc), desde antes de me entender por gente.

Aquele recorte de canções contém uma coisa preciosa e que busco muito: a aliança entre uma atmosfera regional, arraigada, com um desejo de mundo, de ser e estar no mundo.

Essa geração criou uma assinatura de canção, a um só tempo, popular e complexa, original e familiar. Apesar disso, não romantizo muito esse caminho da inspiração – não há mapa capaz de fazer essa conta ‘de onde vem’.

Mas sem dúvida alguma esse repertório, que traduziu e sedimentou a imagem musical de Minas, está o tempo todo no meu córtex como referência-prima.

A influência da música mineira também em Portugal

O cantor e compositor cearense Tiago Araripe, que mora desde 2018 em Bombarral, em Portugal, não teve dúvidas em apontar o álbum Clube da Esquina (1972) como o melhor no que diz respeito à influência da música mineira. Ele ainda se disse bastante influenciado pelo grupo de Santa Tereza.

Tiago Araripe, Cantor e compositor cearense que mora em Portugal
Foto: Facebook Oficial

Se eu pudesse sintetizar em um único disco a influência de Minas Gerais na música popular brasileira, não teria dúvida em apontar Clube da Esquina, um dos melhores álbuns já produzidos no Brasil.

Imagino que renderia um bom estudo investigar todas as suas ramificações, ao longo dos anos e lugares onde tem ecoado.

Quando o escutei em Recife, no século passado da minha juventude e apresentado por uma americana de sotaque baiano, não tive dúvida da sua universalidade. Uma universalidade nascida das singularidades de Minas.

Araripe ainda cita alguns dos nomes mais marcantes do Clube.

Na diversidade das vozes de Milton, Lô Borges, Beto Guedes e Alaíde Costa, no talento de um time de músicos de primeira grandeza, na qualidade das canções e na exuberância da produção, me saltaram aos ouvidos traços marcantes da cultura mineira, em que o lirismo das letras se mescla a certo toque barroco, enquanto os arranjos parecem evocar uma topografia de montes altos capazes de preencher de surpresas os corações dos mais viajados andarilhos.

Eu era apenas um rapaz vindo do interior do Ceará, mas a permanência do Clube da Esquina na memória me faz sentir um desses viajantes que correm mundo trazendo no peito a impressão das melhores viagens.

É o que confirmo a cada audição do disco, da mesma forma que o confirmei ao saber da história dos seus protagonistas, estampada nas páginas do delicioso livro ‘Os Sonhos não Envelhecem’, de Márcio Borges. Lê-lo foi como encontrar velhos amigos e redescobri-los jovens e inspiradores como sempre foram.

O Clube da Esquina e sua representatividade em Minas e no Brasil

Placa do Museu do Clube da Esquina
Foto: Felippe Drummond

O Clube da Esquina, como não poderia deixar de ser, foi referência para várias outras bandas e cantores, não apenas do próprio estado de Minas, mas também para cantores, compositores e músicos de outras partes do país, como nos confirma o poeta e publicitário paulista, Airton Bovo.

“Nos anos 80, grupos e músicos como 14 Bis, Flávio Venturini, Sá e Guarabira, João Bosco, o Boca Livre , e mais outros Brasil afora já traziam traços, marcas dessa influência bem mineira via Milton e Clube da Esquina e seus mentores todos”.

Bovo acrescenta.

Trazendo para os anos 90, dá para incluir aqui, sem medo de errar, muito da sonoridade do Skank, do Jota Quest, do Pato Fu, Tianastácia, e , trazendo mais para perto ainda, a influência nas bandas novas de Minas como Lagum, Daparte.

Para além das fronteiras mineiras, o poeta e compositor exemplifica.

Fora do eixo Minas – Minas, encontramos traços dessa “Travessia” na sonoridade de um Nando Reis, de Marisa Monte, Seu Jorge, Lulu Santos, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, e de tanta gente que carrega essa marca tão rica, diversa, polifônica, de tantas vozes e matizes que é a nossa MPB.

Banda Daparte teve seu nome influenciado pelo Clube da Esquina

E foi exatamente isso! O Clube da Esquina é tão presente na vida dos artistas que foi um fato inusitado, ocorrido com Márcio Borges e seu irmão, Lô Borges, que deu origem ao nome da banda mineira, Daparte, formada por João Ferreira (voz e guitarra), Juliano Alvarenga (voz e guitarra), Bernardo Cipriano (voz e teclado), Túlio Lima (voz e baixo) e Daniel Crase (bateria).

João Ferreira, vocalista e guitarrista da banda Daparte
Foto: Instagram Oficial

João Ferreira, vocalista e guitarrista, dá mais detalhes ao Versos e Prosas.

O Clube da Esquina sempre foi uma referência pra gente. A escolha do nome da banda, inclusive, tem ligação com eles. Lá por 2015, quando estávamos definindo o nome da banda, a gente foi em um show do Lô Borges e estavam vendendo um livro com historinhas sobre o Clube na Esquina.

A gente leu que um dia ligaram na casa do Lô perguntando se era da parte de Márcio Lô Borges. Achavam que era uma pessoa só. Eles acharam engraçado isso e começaram a se chamar de “da parte” entre eles, explica João Ferreira, que continua a inusitada história.

Quando a gente leu isso, achamos o nome legal, sonoro e esquisito. Em 2018, quando abrimos um show do Lô Borges, ele chamava a gente de ‘da partinha’.

Fora essa história, é um som que a gente escuta desde criança e eles são, sem dúvida, uma influência para nossas composições, estão presentes nas referências que temos para as músicas que fazemos, reitera Ferreira, àquela impressão repassada por Airton Bovo, sobre a influência do Clube da Esquina em diversas vertentes.

A pureza e a complexidade da música do Clube

A cantora, compositora e instrumentista Roberta Campos, mineira de Caetanópolis, na região Central, e que vive em São Paulo, há alguns anos, contou para a gente sobre sua admiração com a música do Clube da Esquina que, para ela, é ao mesmo tempo, Pura, simples, porém complexa e muito bem trabalhada.

Roberta Campos, cantora, compositora e instrumentista mineira
Foto: Rapha Simons / Divulgação

A música mineira marcou uma geração, principalmente depois do Clube da Esquina!

É uma música muito melódica, rica, com uma característica da região que mistura a música folclórica, com barroco, com algo muito contemporâneo e bonito por sua simplicidade tão rica!

A música de Minas traduz o seu povo e tem um traço muito forte da sinceridade do lugar, puro, quase ingênuo!

Depois da força e destaque que o Clube da Esquina teve, a Musica Popular Brasileira acabou influenciada por esse jeito de fazer músicas, arranjos, misturando a cultura do seu lugar e traduzindo vivências!

Roberta ainda fez questão de ressaltar suas origens e a influência da música mineira em suas composições.

A minha música tem influência direta da música de Minas, eu vivi por 26 anos o lugar, não só ouvindo as canções, mas sentindo cada acorde que chegava aos meus ouvidos! Eu aprendi a compor em Minas Gerais!

A minha música também é mineira! Ela é plural, pois também carrega o traço urbano, mas ela nasce na minha essência!

Minha música é muito sincera, eu escrevo o que meu coração me dita, e acho que essa é a maior semelhança entre meu trabalho com a música mineira, a sinceridade e o caminho melódico que elas desenham!

Melodias encantadoras e harmonias elaboradas

Os integrantes do Projeto Caleidoscópio, formado pelo casal de músicos cariocas Analu Paredes e Arthur Nogueira, também deu seu depoimento ao Versos e Prosas e contou sobre a influência da música mineira, em especial do Clube da Esquina, na carreira do casal.

A ideia básica do projeto é trabalhar com composições próprias, além de arranjos e produção independente, com músicos de renome nacional e internacional, que se alternam em cada faixa do Projeto Caleidoscópio.

Projeto Caleidoscópio, formado por Analu Paredes e Arthur Nogueira
Foto: Instagram Oficial

A música mineira, com forte influência da música barroca, inspirou muitos compositores.

O movimento Clube da Esquina bebeu  muito nessa fonte e também nas canções dos  Beatles.

Toda essa mistura muito bem representada por seus grandes artistas, tem extrema relevância no cenário da música brasileira e sempre foi uma decisiva referência em nossa estrada.

As melodias encantadoras, harmonias elaboradas e as letras inspiradas sempre foram trilha sonora para nós, desde o começo quando dávamos os primeiros passos nos estudos musicais.

Dos movimentos mais representativos da música brasileira como a Tropicália, Novos Baianos, Bossa Nova, com toda certeza a nossa maior identificação é com a Música de Minas. Pelo nosso Caleidoscópio já fazem parte vários amigos mineiros como Marcus Viana, Toninho Horta, Robertinho Silva, Kiko Continentino, Esdras Ferreira Neném, Lena Horta, Yuri Popoff, Egberto Gismonti, Flávio Venturini dentre vários.

Analu e Arthur ainda dão um spoiler para o Versos e Prosas.

Nosso novo e terceiro álbum “Luz e Sombra” traz muita mineiralidade” em várias canções, especialmente em uma na qual  faremos uma homenagem a essa linda terra.

O título será “Minas Gerais” e o arranjo foi feito pelo nosso convidado especial e técnico de gravação, Ricardo Feghali. Melhor que a música de Minas são as lindas  memórias de momentos incríveis vividos nessas terras cheias de amigos, e sonhos.

Os anos passam, o Clube permanece

O jornalista carioca e crítico musical desde 1987, Mauro Ferreira, colunista do portal de notícias G1, também falou sobre a influência da música mineira, especialmente do Clube da Esquina. De acordo com o crítico, o movimento continua atual.

Mauro Ferreira, jornalista e crítico musical
Foto: G1

A assinatura original da música de Milton Nascimento – base do movimento conhecido como Clube da Esquina – tornou o som mineiro dos anos 1970 uma das matrizes da música brasileira produzida a partir de então.

Como os sonhos, o som do Clube da Esquina nunca envelhece.

A mistura pop de rock (sobretudo o feito pelos Beatles), psicodelia, bossa nova, jazz e toada mineira, experimentada em músicas de harmonias elaboradas, inovou e soou diferente de tudo o que se fazia na MPB naquele inicio dos anos 1970.

Desde então, o somo Clube da Esquina virou uma referência para músicos e compositores de futuras gerações.

Ferreira ainda compara o Clube da Esquina a outro movimento musical também de suma importância para a nossa MPB.

O movimento tem uma marca, assim como a Bossa Nova. Mesmo com a dissolução da turma, notadamente a partir dos anos 1980, essa marca continuou impressa na música brasileira para sempre.

E o sucesso fenomenal da turnê do show ‘Clube da Esquina’ ao longo de 2019 – com o público esgotando todos os ingressos para cada apresentação de Milton Nascimento – mostrou que o som continua vivo, emocionante.

O Clube da Esquina e seu líder devidamente reverenciados

O cantor e compositor paulistano Fi Bueno reforça sua admiração  e a influência da música mineira em sua obra, especialmente a do líder do Clube da Esquina, Milton Nascimento.

O Clube da Esquina é fundamental, principalmente na minha relação como compositor. E Milton Nascimento, o Bituca, é um caso a parte, a relação que eu tenho com ele, conheci ele na adolescência, a relação que tenho com ele é eterna, para mim, é o grande cantor da Música Brasileira.

Concordando com o crítico musical Mauro Ferreira, o poeta e compositor Airton Bovo também enxerga o Clube da Esquina em uma travessia eterna, que ultrapassa gerações.

A travessia passou por montanhas, vales, sotaques, influências, tempos, deixou marcas e vai continuar brilhando, brilhando fé cega faca amolada, conclui Airton Bovo.

Marcos Aurélio

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